LEI Nº 12.288, DE 20
DE JULHO DE 2010
Publicada no DOU 21/07/2010
Institui o Estatuto da Igualdade
Racial; altera as Leis nos 7.716, de
5 de janeiro de 1989, 9.029,
de 13 de abril de 1995, 7.347,
de 24 de julho de 1985, e 10.778,
de 24 de novembro de 2003.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES
PRELIMINARES
Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado
a garantir à população negra a efetivação
da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais,
coletivos e difusos e o combate à discriminação e
às demais formas de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I - discriminação racial ou étnico-racial: toda
distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica
que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício,
em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural
ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;
II - desigualdade racial: toda situação injustificada de
diferenciação de acesso e fruição de bens,
serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada,
em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou
étnica;
III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente
no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre
mulheres negras e os demais segmentos sociais;
IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram
pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam
autodefinição análoga;
V - políticas públicas: as ações, iniciativas
e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições
institucionais;
VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais
adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção
das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade
de oportunidades.
Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade
de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente
da etnia ou da cor da pele, o direito à participação
na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas,
empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade
e seus valores religiosos e culturais.
Art. 3º Além das normas constitucionais relativas aos princípios
fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais,
econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como
diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas
de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade
étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.
Art. 4º A participação
da população negra, em condição de igualdade
de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural
do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento
econômico e social;
II - adoção de medidas,
programas e políticas de ação afirmativa;
III - modificação das estruturas institucionais do Estado
para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades
étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação
étnica;
IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar
o combate à discriminação étnica e às
desigualdades étnicas em todas as suas manifestações
individuais, institucionais e estruturais;
V - eliminação dos obstáculos históricos,
socioculturais e institucionais que impedem a representação
da diversidade étnica nas esferas pública e privada;
VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas
da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade
de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive
mediante a implementação de incentivos e critérios de
condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;
VII - implementação de programas de ação
afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas
no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde,
segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação
de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à
Justiça, e outros.
Parágrafo único. Os programas
de ação afirmativa constituirse- ão em políticas
públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades
sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas
pública e privada, durante o processo de formação social
do País.
Art. 5º Para a consecução dos objetivos desta Lei,
é instituído o Sistema Nacional de Promoção da
Igualdade Racial (Sinapir), conforme estabelecido no Título III.
TÍTULO II
DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO
I
DO DIREITO
À SAÚDE
Art. 6º O direito à saúde
da população negra será garantido pelo poder público
mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas
à redução do risco de doenças e de outros agravos.
§ 1º O acesso universal e igualitário
ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção,
proteção e recuperação da saúde da população
negra será de responsabilidade dos órgãos e instituições
públicas federais, estaduais, distritais e municipais, da administração
direta e indireta.
§ 2º O poder público garantirá
que o segmento da população negra vinculado aos seguros privados
de saúde seja tratado sem discriminação.
Art. 7º O conjunto de ações
de saúde voltadas à população negra constitui
a Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra, organizada de acordo com as diretrizes abaixo especificadas:
I - ampliação e fortalecimento da participação
de lideranças dos movimentos sociais em defesa da saúde da
população negra nas instâncias de participação
e controle social do SUS;
II - produção de conhecimento científico e tecnológico
em saúde da população negra;
III - desenvolvimento de processos de informação, comunicação
e educação para contribuir com a redução das
vulnerabilidades da população negra.
Art. 8º Constituem objetivos da Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra:
I - a promoção da saúde integral da população
negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas
e o combate à discriminação nas instituições
e serviços do SUS;
II - a melhoria da qualidade dos sistemas de informação
do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise
dos dados desagregados por cor, etnia e gênero;
III - o fomento à realização de estudos e pesquisas
sobre racismo e saúde da população negra;
IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população
negra nos processos de formação e educação
permanente dos trabalhadores da saúde;
V - a inclusão da temática saúde da população
negra nos processos de formação política das lideranças
de movimentos sociais para o exercício da participação
e controle social no SUS. remanescentes de quilombos serão beneficiários
de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde,
incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento
básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção
integral à saúde.
CAPÍTULO II
DO DIREITO
À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER
Seção I
Disposições
Gerais
Art. 9º A população negra tem direito a participar
de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a
seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio
cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.
Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9º, os governos federal, estaduais,
distrital e municipais adotarão as seguintes providências:
I - promoção de ações para viabilizar e ampliar
o acesso da população negra ao ensino gratuito e às
atividades esportivas e de lazer;
II - apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço
para promoção social e cultural da população
negra;
III - desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas,
para que a solidariedade aos membros da população negra faça
parte da cultura de toda a sociedade;
IV - implementação de políticas públicas
para o fortalecimento da juventude negra brasileira.
Seção II
Da Educação
Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, é obrigatório o estudo da história
geral da África e da história da população
negra no Brasil, observado o disposto na Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996.
§ 1º Os conteúdos referentes
à história da população negra no Brasil serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando
sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social,
econômico, político e cultural do País.
§ 2º O órgão competente
do Poder Executivo fomentará a formação inicial e
continuada de professores e a elaboração de material didático
específico para o cumprimento do disposto no caput deste artigo.
§ 3º Nas datas comemorativas de
caráter cívico, os órgãos responsáveis
pela educação incentivarão a participação
de intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os
estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.
Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de
fomento à pesquisa e à pós-graduação
poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo voltados
para temas referentes às relações étnicas, aos
quilombos e às questões pertinentes à população
negra.
Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos
competentes, incentivará as instituições de ensino superior
públicas e privadas, sem prejuízo da legislação
em vigor, a:
I - resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar
grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de
pós-graduação que desenvolvam temáticas de interesse
da população negra;
II - incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação
de professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade
étnica e cultural da sociedade brasileira;
III - desenvolver programas de extensão universitária destinados
a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o
princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários;
IV - estabelecer programas de cooperação técnica,
nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e comunitários,
com as escolas de educação infantil, ensino fundamental,
ensino médio e ensino técnico, para a formação
docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e
de respeito às diferenças étnicas.
Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações
socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam
atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação
técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre
outros mecanismos.
Art. 15. O poder público adotará programas de ação
afirmativa.
Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos
responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade
e de educação, acompanhará e avaliará os programas
de que trata esta Seção.
Seção III
Da
Cultura
Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento das
sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva
da população negra, com trajetória histórica comprovada,
como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215
e 216
da Constituição Federal.
Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos
o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições
e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado.
Parágrafo único. A preservação dos documentos
e dos sítios detentores de reminiscências históricas
dos antigos quilombos, tombados nos termos do §
5º do art. 216 da Constituição Federal, receberá
especial atenção do poder público.
Art. 19. O poder público incentivará a celebração
das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória
do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana,
bem como sua comemoração nas instituições de
ensino públicas e privadas.
Art. 20. O poder público garantirá o registro e a proteção
da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial
e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos
do art.
216 da Constituição Federal.
Parágrafo único. O poder público buscará
garantir, por meio dos atos normativos necessários, a preservação
dos elementos formadores tradicionais da capoeira nas suas relações
internacionais.
Seção IV
Do Esporte
e Lazer
Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população
negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o
lazer como direitos sociais.
Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação
nacional, nos termos do art.
217 da Constituição Federal.
§ 1º A atividade de capoeirista
será reconhecida em todas as modalidades em que a capoeira se manifesta,
seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o exercício
em todo o território nacional.
§ 2º É facultado o ensino
da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos
capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos.
CAPÍTULO III
DO DIREITO
À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO
DOS CULTOS RELIGIOSOS
Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e a suas liturgias.
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença
e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:
I - a prática de cultos, a celebração de reuniões
relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção,
por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;
II - a celebração de festividades e cerimônias de
acordo com preceitos das respectivas religiões;
III - a fundação e a manutenção, por iniciativa
privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas
convicções religiosas;
IV - a produção, a comercialização, a aquisição
e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às
práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas
vedadas por legislação específica;
V - a produção e a divulgação de publicações
relacionadas ao exercício e à difusão das religiões
de matriz africana;
VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais
e jurídicas de natureza privada para a manutenção
das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;
VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação
para divulgação das respectivas religiões;
VIII - a comunicação ao Ministério Público
para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas
de intolerância religiosa nos meios de comunicação
e em quaisquer outros locais.
Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos praticantes
de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em
outras instituições de internação coletiva,
inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade.
Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias
para o combate à intolerância com as religiões de matrizes
africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente
com o objetivo de:
I - coibir a utilização dos meios de comunicação
social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens
que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos
fundados na religiosidade de matrizes africanas;
II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros
bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora
e sítios arqueológicos vinculados às religiões
de matrizes africanas;
III - assegurar a participação proporcional de representantes
das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação
das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos
e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder
público.
CAPÍTULO IV
DO ACESSO
À TERRA E À MORADIA ADEQUADA
Seção I
Do Acesso
à Terra
Art. 27. O poder público elaborará e implementará
políticas públicas capazes de promover o acesso da população
negra à terra e às atividades produtivas no campo.
Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas
da população negra no campo, o poder público promoverá
ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento
agrícola.
Art. 29. Serão assegurados à população negra
a assistência técnica rural, a simplificação
do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura
de logística para a comercialização da produção.
Art. 30. O poder público promoverá a educação
e a orientação profissional agrícola para os trabalhadores
negros e as comunidades negras rurais.
Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desenvolverá
políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento
sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos, respeitando
as tradições de proteção ambiental das comunidades.
Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescentes
das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes
tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas
especiais de financiamento público, destinados à realização
de suas atividades produtivas e de infraestrutura.
Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos quilombos se beneficiarão
de todas as iniciativas previstas nesta e em outras leis para a promoção
da igualdade étnica.
Seção
II
Da
Moradia
Art. 35. O poder público garantirá a implementação
de políticas públicas para assegurar o direito à moradia
adequada da população negra que vive em favelas, cortiços,
áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação,
a fim de reintegrá- las à dinâmica urbana e promover
melhorias no ambiente e na qualidade de vida.
Parágrafo único. O direito à moradia adequada, para
os efeitos desta Lei, inclui não apenas o provimento habitacional,
mas também a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos
comunitários associados à função habitacional,
bem como a assistência técnica e jurídica para a construção,
a reforma ou a regularização fundiária da habitação
em área urbana.
Art. 36. Os programas, projetos e outras ações governamentais
realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação
de Interesse Social (SNHIS), regulado pela Lei
nº 11.124, de 16 de junho de 2005, devem considerar as peculiaridades
sociais, econômicas e culturais da população negra.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
estimularão e facilitarão a participação de
organizações e movimentos representativos da população
negra na composição dos conselhos constituídos para
fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação
de Interesse Social (FNHIS).
Art. 37. Os agentes financeiros, públicos ou privados, promoverão
ações para viabilizar o acesso da população
negra aos financiamentos habitacionais.
CAPÍTULO V
DO TRABALHO
Art. 38. A implementação de políticas voltadas para
a inclusão da população negra no mercado de trabalho
será de responsabilidade do poder público, observando-se:
I - o instituído neste Estatuto;
II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, de 1965;
III - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção
nº 111, de 1958, da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na
profissão;
IV - os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante
a comunidade internacional.
Art. 39. O poder público promoverá
ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado
de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação
de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações
do setor público e o incentivo à adoção de
medidas similares nas empresas e organizações privadas.
§ 1º A igualdade de oportunidades será lograda mediante
a adoção de políticas e programas de formação
profissional, de emprego e de geração de renda voltados para
a população negra.
§ 2º As ações visando
a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração
pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem
estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.
§ 3º O poder público estimulará,
por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor
privado.
§ 4º As ações de
que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da
proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.
§ 5º Será assegurado o
acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios
rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.
§ 6º O poder público promoverá
campanhas de sensibilização contra a marginalização
da mulher negra no trabalho artístico e cultural.
§ 7º O poder público promoverá
ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação
profissional nos setores da economia que contem com alto índice
de ocupação por trabalhadores negros de baixa escolarização.
Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat)
formulará políticas, programas e projetos voltados para a
inclusão da população negra no mercado de trabalho
e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.
Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio
de financiamento para constituição e ampliação
de pequenas e médias empresas e de programas de geração
de renda, contemplarão o estímulo à promoção
de empresários negros.
Parágrafo único. O poder público estimulará
as atividades voltadas ao turismo étnico com enfoque nos locais, monumentos
e cidades que retratem a cultura, os usos e os costumes da população
negra.
Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar critérios
para provimento de cargos em comissão e funções de
confiança destinados a ampliar a participação de negros,
buscando reproduzir a estrutura da distribuição étnica
nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos
oficiais.
CAPÍTULO VI
DOS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO
Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos
de comunicação valorizará a herança cultural
e a participação da população negra na história
do País.
Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à
veiculação pelas emissoras de televisão e em salas
cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir
oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros,
sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política,
ideológica, étnica ou artística.
Parágrafo único. A exigência disposta no caput não
se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de grupos
étnicos determinados.
Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias
destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão
e em salas cinematográficas o disposto no art. 44.
Art. 46. Os órgãos e entidades da administração
pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas
públicas e as sociedades de economia mista federais deverão
incluir cláusulas de participação de artistas negros
nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer
outras peças de caráter publicitário.
§ 1º Os órgãos e
entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações
para contratação de serviços de consultoria, conceituação,
produção e realização de filmes, programas
ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática
de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto
ou serviço contratado.
§ 2º Entende-se por prática
de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas
executadas com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de
sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.
§ 3º A autoridade contratante
poderá, se considerar necessário para garantir a prática
de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão
do poder público federal.
§ 4º A exigência disposta
no caput não se aplica às produções publicitárias
quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados.
TÍTULO III
DO SISTEMA
NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (SINAPIR)
CAPÍTULO
I
DISPOSIÇÃO
PRELIMINAR
Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção
da Igualdade Racial (Sinapir) como forma de organização e
de articulação voltadas à implementação
do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as
desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder
público federal.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios poderão participar do Sinapir mediante adesão.
§ 2º O poder público federal
incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do Sinapir.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 48. São objetivos do Sinapir:
I - promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades
sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção
de ações afirmativas;
II - formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização
e a promover a integração social da população
negra;
III - descentralizar a implementação de ações
afirmativas pelos governos estaduais, distrital e municipais;
IV - articular planos, ações e mecanismos voltados à
promoção da igualdade étnica;
V - garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para
a implementação das ações afirmativas e o cumprimento
das metas a serem estabelecidas.
CAPÍTULO III
DA ORGANIZAÇÃO
E COMPETÊNCIA
Art. 49. O Poder Executivo federal elaborará
plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as
metas, princípios e diretrizes para a implementação
da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(PNPIR).
§ 1º A elaboração,
implementação, coordenação, avaliação
e acompanhamento da PNPIR, bem como a organização, articulação
e coordenação do Sinapir, serão efetivados pelo órgão
responsável pela política de promoção da igualdade
étnica em âmbito nacional.
§ 2º É o Poder Executivo
federal autorizado a instituir fórum intergovernamental de promoção
da igualdade étnica, a ser coordenado pelo órgão responsável
pelas políticas de promoção da igualdade étnica,
com o objetivo de implementar estratégias que visem à incorporação
da política nacional de promoção da igualdade étnica
nas ações governamentais de Estados e Municípios.
§ 3º As diretrizes das políticas
nacional e regional de promoção da igualdade étnica
serão elaboradas por órgão colegiado que assegure a
participação da sociedade civil.
Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital e municipais, no
âmbito das respectivas esferas de competência, poderão
instituir conselhos de promoção da igualdade étnica,
de caráter permanente e consultivo, compostos por igual número
de representantes de órgãos e entidades públicas e
de organizações da sociedade civil representativas da população
negra.
Parágrafo único. O Poder Executivo priorizará o
repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos nesta
Lei aos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham criado
conselhos de promoção da igualdade étnica.
CAPÍTULO IV
DAS OUVIDORIAS
PERMANENTES E DO ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
Art. 51. O poder público federal instituirá, na forma da
lei e no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo, Ouvidorias Permanentes
em Defesa da Igualdade Racial, para receber e encaminhar denúncias
de preconceito e discriminação com base em etnia ou cor e
acompanhar a implementação de medidas para a promoção
da igualdade.
Art. 52. É assegurado às vítimas de discriminação
étnica o acesso aos órgãos de Ouvidoria Permanente,
à Defensoria Pública, ao Ministério Público
e ao Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, para a
garantia do cumprimento de seus direitos.
Parágrafo único. O Estado assegurará atenção
às mulheres negras em situação de violência,
garantida a assistência física, psíquica, social e jurídica.
Art. 53. O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência
policial incidente sobre a população negra.
Parágrafo único. O Estado implementará ações
de ressocialização e proteção da juventude
negra em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão
social.
Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir atos de discriminação
e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da
população negra, observado, no que couber, o disposto na Lei nº 7.716,
de 5 de janeiro de 1989.
Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e
das ameaças de lesão aos interesses da população
negra decorrentes de situações de desigualdade étnica,
recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação
civil pública, disciplinada na Lei
nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
CAPÍTULO V
DO FINANCIAMENTO
DAS INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
Art. 56. Na implementação dos programas e das ações
constantes dos planos plurianuais e dos orçamentos anuais da União,
deverão ser observadas as políticas de ação
afirmativa a que se refere o inciso VII do art. 4º desta Lei e outras
políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade
de oportunidades e a inclusão social da população negra,
especialmente no que tange a:
I - promoção da igualdade de oportunidades em educação,
emprego e moradia;
II - financiamento de pesquisas, nas áreas de educação,
saúde e emprego, voltadas para a melhoria da qualidade de vida da
população negra;
III - incentivo à criação de programas e veículos
de comunicação destinados à divulgação
de matérias relacionadas aos interesses da população
negra;
IV - incentivo à criação e à manutenção
de microempresas administradas por pessoas autodeclaradas negras;
V - iniciativas que incrementem o acesso e a permanência das pessoas
negras na educação fundamental, média, técnica
e superior;
VI - apoio a programas e projetos dos governos estaduais, distrital e
municipais e de entidades da sociedade civil voltados para a promoção
da igualdade de oportunidades para a população negra;
VII - apoio a iniciativas em defesa da cultura, da memória e das
tradições africanas e brasileiras.
§ 1º O Poder Executivo federal é autorizado a adotar
medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na
alocação e na execução dos recursos necessários
ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando,
entre outros, a proporção dos recursos orçamentários
destinados aos programas de promoção da igualdade, especialmente
nas áreas de educação, saúde, emprego e renda,
desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento
regional, cultura, esporte e lazer.
§ 2° Durante os 5 (cinco) primeiros anos, a contar do exercício
subsequente à publicação deste Estatuto, os órgãos
do Poder Executivo federal que desenvolvem políticas e programas
nas áreas referidas no § 1º deste artigo discriminarão
em seus orçamentos anuais a participação nos programas
de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4º
desta Lei.
§ 3º O Poder Executivo é autorizado a adotar as medidas
necessárias para a adequada implementação do disposto
neste artigo, podendo estabelecer patamares de participação
crescente dos programas de ação afirmativa nos orçamentos
anuais a que se refere o § 2º deste artigo.
§ 4º O órgão colegiado do Poder Executivo federal
responsável pela promoção da igualdade racial acompanhará
e avaliará a programação das ações referidas
neste artigo nas propostas orçamentárias da União.
Art. 57. Sem prejuízo da destinação de recursos
ordinários, poderão ser consignados nos orçamentos
fiscal e da seguridade social para financiamento das ações
de que trata o art. 56:
I - transferências voluntárias dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;
II - doações voluntárias de particulares;
III - doações de empresas privadas e organizações
não governamentais, nacionais ou internacionais;
IV - doações voluntárias de fundos nacionais ou
internacionais;
V - doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios,
tratados e acordos internacionais.
TÍTULO IV
DISPOSIÇÕES
FINAIS
Art. 58. As medidas instituídas nesta Lei não excluem outras
em prol da população negra que tenham sido ou venham a ser
adotadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios.
Art. 59. O Poder Executivo federal criará
instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas
nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão
e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive
pela rede mundial de computadores.
Art. 60. Os arts. 3º e 4º da Lei nº 7.716,
de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 3º ................................................................................................................
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo
de discriminação de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional, obstar a promoção funcional."
(NR)
"Art. 4º ...............................................................................................................
§ 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação
de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito
de descendência ou origem nacional ou étnica:
I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado
em igualdade de condições com os demais trabalhadores;
II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra
forma de benefício profissional;
III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de
trabalho, especialmente quanto ao salário.
§ 2º Ficará sujeito às penas de multa e de prestação
de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção
da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de
recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios
de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem
essas exigências." (NR)
Art. 61. Os arts. 3º
e 4º
da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, passam a vigorar com a seguinte
redação:
"Art.
3º Sem prejuízo do prescrito no art. 2º e nos dispositivos
legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça
ou cor, as infrações do disposto nesta Lei são passíveis
das seguintes cominações:
..................................................................................................................."
(NR)
"Art.
4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório,
nos moldes desta Lei, além do direito à reparação
pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:
..................................................................................................................."
(NR)
Art. 62. O art.
13 da Lei nº 7.347, de 1985, passa a vigorar acrescido do seguinte
§ 2º, renumerando-se o atual parágrafo único como
§ 1º:
"Art.
13. ..............................................................................................................
§
1º ....................................................................................................................
§
2º Havendo acordo ou condenação com fundamento em
dano causado por ato de discriminação étnica nos termos
do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro
reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será
utilizada para ações de promoção da igualdade
étnica, conforme definição do Conselho Nacional de
Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão
nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial
estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional
ou local, respectivamente." (NR)
Art. 63. O § 1º do art. 1º da Lei nº
10.778, de 24 de novembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º ................................................................................................................
§ 1º Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência
contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,
inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado.
..................................................................................................................."
(NR)
Art. 64. O § 3º do art. 20 da Lei nº 7.716,
de 1989, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso III:
"Art. 20. ..............................................................................................................
§ 3º ...................................................................................................................
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas
de informação na rede mundial de computadores.
..................... ............................................................................................."
(NR)
Art. 65. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data
de sua publicação.
Brasília, 20 de julho de 2010; 189º da Independência
e 122º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA
SILVA
Eloi
Ferreira de Araújo
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